segunda-feira, 29 de junho de 2009

O MONSTRO

(Aparece uma figura monstruosa para uma mulher que está caminhando sozinha por uma rua deserta à noite. A mulher tenta escapar, mas fica imóvel; de tão nervosa, não consegue comandar mais as pernas).

O Monstro (aproxima-se da mulher, que aparenta ter uns trinta anos): Calma, senhora. Só quero lhe perguntar uma coisa: a senhora não viu por essas redondezas um monstro?

A Mulher(ainda assustada): Não, quer dizer, vi. Não é o senhor por acaso?

O Monstro: Não, eu posso ter cara de monstro, mas não sou um monstro. Os monstros geralmente têm um rosto harmônico, expressão suave, são persuasivos, falam com fluência, e aí é que levam as pessoas a pensar que são seres adoráveis e cometem barbaridades.

A Mulher: Então o senhor não é o monstro?

O Monstro: Não. Há monstros na política, nas empresas que vendem produtos com defeito, há muitos monstros por aí, tome cuidado.

A Mulher: Até que o sr. é simpático. E obrigado pelo aviso.

O Monstro: Prazer em conhecê-la.

A Mulher: O prazer foi meu.

(O Monstro dá a mão à mulher. Despendem-se, o monstro sai de cena e a mulher, ainda perturbada, fica pensando no que ele disse).

domingo, 28 de junho de 2009

O CARTEIRO

(O carteiro chega à casa de um homem de mais de 80 anos, aperta a campainha, o homema aparece).

O Carteiro (carregando um carrinho cheio de cartas): Estas cartas são para o senhor.

O Homem: Não é possível. Eu não recebo cartas há mais de dez anos. Só recebo contas de luz, telefone e água. Deve ser algum engano.

O Carteiro: O seu nome não é Aurélio Nicanor de Sousa Queiroz?

O Homem: Exatamente.

O Carteiro: Então está correto.

( O Carteiro lhe entrega todas as cartas, despede-se, e ele começa a lê-las espantado, sentado no chão).

O Homem (depois de ler três ou quatro cartas e de olhar para o remetente de várias outras: São cartas de parentes e amigos que já morreram. Eles dizem que existe vida após a morte. Mas por que será que resolveram me escrever justo hoje?

(O Homem aos poucos vai perdendo a expressão, a luz no olhar, transforma-se em uma estátua, ficando totalmente imóvel enquanto a luz se apaga).

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O ESTRESSADO E O PEGAJOSO

(Dois homens: o Estressado e O pegajoso encontram-se na rua, em uma esquina de alguma cidade do planeta. O Pegajoso já vai pegando no ombro do estressado).

O Pegajoso: Quanto tempo, amigo! (Pega mais nele) Você sumiu.

O Estressado: Assim fosse quanto tempo. Eu não tenho tempo. Um segundo para mim vale ouro. (O estressado ensaia um passo para ir embora).

O Pegajoso: Calma! (Pega no estressado pelo braço).

O Estressado: Não me fala calma que eu fico mais nervoso ainda.

O Pegajoso: Você continua estressado.

O Estressado: E você continua pegajoso.

O Pegajoso: Eu tenho tanto prazer em vê-lo. (abraça o Estressado, que tenta escapar).

O Estressado: Me solta. Estou atrasado.

O Pegajoso: Como sempre. (sem soltá-lo)

O Estressado (escapando): Até nunca mais.

O Pegajoso (tentando alcançá-lo): Você não sabe o que é afeto.

(O Estressado sai correndo enquanto o Pegajoso fica olhando para ele tentando entender o que está acontecendo).

quarta-feira, 24 de junho de 2009

OS CONGESTIONADOS

(Cerca de vinte pessoas estão no centro do palco unidas como se estivessem coladas por uma cola invisível. As falas aparecem de forma simultânea e desordenada).

-O sinal está aberto.

-Não consigo me mover.

-Tenho compromisso.

-Não saio do lugar.

-Sai da minha frente.

-Sai da minha frente.

-Abra um espaço pela direita.

-Pela esquerda.

-Passa por cima.

-Passa por cima.

-Passa por cima.

(Essas falas são repetidas sem parar por todos os personagens, cada vez mais gritadas e de forma mais rápida).

(A massa começa a se mover de forma caótica, do centro do palco para os lados, e dos lados para o centro do palco. De repente, ouve-se o barulho de uma imensa colisão. Surge uma luz forte, parecendo farol de carro. Em seguida, todas as luzes se apagam).

terça-feira, 23 de junho de 2009

OS RATOS

(Dois ratos de esgoto conversam)
Primeiro rato: Você, rato líder do nosso esgoto, já pensou em entrar para a política?

Segundo rato: Eu sou rato, mas não sou corrupto. Eu tenho nojo desse ambiente, não quero me contaminar.

Primeiro Rato: Deve ser uma vida boa.

Segundo rato: Eu sou rato de princípios e de natureza, não de safadeza. E você está com um papo muito estranho. Se você se vender para entrar na política, eu expulso você deste esgoto. Aqui só vive rato decente.

Primeiro rato: Eu sei, Ratolino chefe. Perguntei por perguntar. Quem sabe você não punha ordem neste país?

Segundo rato: Nós somos muito inocentes perto dessas feras humanas. Somos só ratos.
Para chegarmos a humanos, teríamos que entrar na escola do crime. E nos daríamos muito mal porque não temos jeito para isso.

Primeiro rato: Falô, chefe. O senhor é quem manda.

(E continuaram no esgoto, um olhando para o outro, sem dizer mais nada).

OS SEDENTÁRIOS

(Dois homens sentados em um banco de jardim observam um homem com porte atlético que passa correndo).

Primeiro homem: Eu preciso deixar de ser sedentário.

Segundo homem: Eu já desisti.

(O atleta passa de novo).

Primeiro homem: Você viu como ele é saudável?

Segundo homem: Correr cansa.

Primeiro homem: Olhe!
(O atleta passa de novo, em sua terceira volta, ofegante e mancando).

Segundo homem: Acho que ele precisa de ajuda.

Primeiro homem: Ele não está bem.

( O atleta aparece mais uma vez, agora caindo, praticamente sem vida).

Segundo homem: Você está precisando de alguma coisa? (Pergunta ao atleta sem sair do lugar).

Primeiro homem: Você não viu que ele está morto, seu cretino?

(A peça termina com o homem caído, imóvel, enquanto os dois homens olham para ele com cara de imbecis).

OS SECRETOS

(Dois homens, em uma sala quase totalmente escura, parecendo uma caverna, conversam com o maior cuidado, evitando que alguém os ouça).

Senador 1: Fala baixo, senador.

Senador 2: Mais baixo é impossível, excelência.

Senador 1: Não aguento ler mais nos jornais essas denúncias sem fundamento.

Senador 2: Nem eu, excelência. Só porque coloquei o meu cachorrinho de estimação como meu assessor para assuntos caninos, estão querendo me pegar. Existe alguém melhor do que o Toby para dominar esse assunto?

Senador 1: O senhor tem razão, o Toby é muito inteligente. O seu poodle tem um QI mais alto do que a maioria dos nossos colegas de Casa.

Senador 2: Fala baixo, excelência.

Senador 1: E eu? Só porque coloquei o meu jardineiro como assessor dos vasos do meu gabinete, estão querendo me atingir.

Senador 2: É um absurdo, excelência.

(Ouve-se um barulho, os dois senadores escondem-se e agacham-se atrás dos móveis)

Senador 1: Senador , deve estar chegando alguém.

Senador: Não, excelência, só pode ser um rato.

Senador: Tem razão, senador, só pode ser um rato.

(Eles se levantam e saem pé ante pé do esconderijo, evitando fazer barulho).

O ALARME

(No centro da cena, em um espaço completamente vazio, um alarme soa sem parar. Aparece um homem com os ouvidos tampados e um megafone. Ele fala por alguns minutos , mas ninguém escuta. Depois de cinco minutos, cessa o som do alarme. O homem fala, agora sem megafone):

-Finalmente, silêncio. Quem ligou esse alarme? Só pode ser um maluco.

(O alarme volta a tocar. O homem pega o megafone, fala sem parar, tampa os ouvidos, fica nervoso, dá um grito desesperado, corre de um lado para o outro. O alarme para de soar). O homem fala:

-Quantos alarmes deverão estar soando agora nesta cidade? Quantas casas estarão sendo roubadas enquanto os alarmes soam, atraindo os ladrões, que adoram esse som que abafa os gritos das vítimas. Os otorrinolaringologistas também amam os alarmes porque o número de surdos aumentou consideravelmente por causa deles.

(O alarme volta a tocar. Um ladrão aparece, rouba o megafone, a carteira e o tapa-ouvidos do homem. Ele deita-se no chão, encolhido, em posição fetal. O alarme não para de soar. O ladrão vai embora tranquilo. Nenhum policial aparece).